Wednesday, January 28, 2009

Vestidos às flores e fatos completos

De uma leva, o grupo de amigos dos meus avós quase que desapareceu. Como se Deus, ou o burocrata de serviço, tivesse gritado next e um capítulo das minhas memórias tivesse todo a mesma senha. Não me eram especialmente próximos, nem lhes tinha grande afecto. Eram figuras da minha infância, das tardes longas de Verão em que era obrigada a ósculá-los antes de ir jogar ténis ou mini-golfe.

Os amigos dos meus avós pertencem à imagem fixe que tenho dos anos 60 e 70, neste jardim à beira mar plantado. Cresci com relatos de noites longas, regadas a whisky que o meu avô trazia de Londres, com jogos de Bridge que duravam até de manhã ao som de bitaites políticos atirados sem medo. A falar de livros proibidos que traziam de viagens, com muito cuidado, para não serem apanhados na fronteira. E de filmes que viam lá fora e que cá era proibidos (a minha avó está sempre a falar da Emmanuelle, g o d, não quero parecer a púdica da família - não sou - mas discutir filmes eróticos com a avó não é programa que me deixe à vontade).

Enfim, é todo um imaginário feito de vestidos às flores e fatos completos de alfaiate que se foi.

Mortes estúpidas

Fico sempre agarrada ao "como" para evitar pensar no "porquê".

Tuesday, January 27, 2009

Mas ao contrário

Todos as manhãs, porém, acordo rabugenta no carro, em fila, para sair de Lisboa. Sinto-me uma pequena suburbana. Mas ao contrário.

First day

Um monte de caras novas, nomes que sei que nunca vou saber de cor. Uma nova secretária ainda arrumada. Cadernos brancos à espera que eu os encha com a minha letra irregular e esquizofrénica. Arrumar as essenciais canetas de côr. Olhar à volta e tentar adivinhar o que há para lá do primeiro olhar desta gente que vai ser quotidiana. Ter tempo e ainda não ter muito trabalho. A fila do micro-ondas à hora do almoço e descobrir onde beber uma "bica" nas redondezas. E a minha irmã e a Sara ali tão perto.

Na vida adulta, todos os dias de trabalho deviam ser o primeiro.

Acho

Algures no tempo, tornei-me descrente. Acho.

Saturday, January 24, 2009

A pill(ow) for a good night sleep

Numa visita ao Ikea descubro que existe uma variedade imensa de almofadas. Para quem dorme de lado, para quem dorme de barriga para baixo, para quem dorme de barriga para cima. Para não falar naquelas tipo ortopédicas-barra-Ideia Casa. O Ikea, pareceu-me, abriu um balcão de aconselhamento do tipo diz-me-como-dormes-dir-te-ei-quem-és.

O problema é que parece não haver uma almofada para quem nunca dorme da mesma maneira. O que fazer quando o nosso corpo cai no sono de qualquer maneira? Como explicar aos raros senhores do uniforme amarelo que tanto adormeço de lado, como quando estou doente ou tenho alguma coisa que me chateia, como de barriga para baixo quando estou mesmo cansada ou com um grãozinho na asa, como ainda de barriga para cima quando me deixo ficar a ler até só ter força para atirar com o livro e apagar a luz, ou quando estou mesmo feliz e me apetece saborear em pleno os instantes antes de dormir.

Não há nenhuma almofada freestyle?

Monday, January 19, 2009

Argumentar

Uma coisa que me chateia é que se esteja a perder a capacidade de discutir o que quer que seja sem ir buscar argumentos de outros. Usa-se esta nova forma de argumentação não como argumentação per se mas também como forma de auto-promoção (que culto e lido que eu sou). A moda agora (e falo de blogues) é citar a imprensa estrangeira. Há um ano estava em voga citar os clássicos da política moderna. É uma coisa que me chateia. Há uma certa desonestidade que muito me aborrece. Até porque fico sem saber se a pessoa em questão percebe de facto o que está a dizer ou se está a seguir a corrente. Atenção: acredito piamente que estes citadores em barda sejam muito mais inteligentes do que eu. Mas gostava, de vez em quando, que humanizassem a coisa, que falassem de coisas sérias com um bocadinho de emoção - a indignação intelectual não conta.

Thursday, January 15, 2009

Dos sonhos

Tenho sonhos esquisitos. Tenho sonhos ainda mais esquisitos quando a febre me visita durante a noite. Tenho sonhos que me envergonham, que me chocam e que me perturbam, tenho sonhos que me divertem, enternecem e fazem com que acorde bem disposta. Já me apaixonei enquanto dormia.

Os sonhos reflectem muitas coisas e gosto de pensar um bocadinho sobre eles (aquele momento, todas as manhãs em que fico parada, de peúga na mão, é de pura reflexão). Conheço de cor todos os meus fritanços, as minhas "braçadeiras" e até sei o que devia fazer quanto a eles. Estou ao nível de qualquer comum assíduo da psicoterapia, mas sem gastar dinheiro e sem ter ninguém a dizer que a culpa não é minha. Odeio paternalismos.

Bom, normalmente, sem grande esforço, chego lá - ao significado do que sonhei.

Esta noite sonhei que viajava, algures no Médio Oriente (tenho abusado das piadas sobre Gaza). E de repente vejo o que julgo ser um poço de petróleo em chamas (nunca vi um poço de petróleo em chamas. Ou então vi e esqueci-me embora, aparentemente, o meu inconsciente se lembre). Tenho um mini ataque de pânico porque sei que tenho amigos lá dentro (porque é que eles lá estavam foi coisa que o realizador não se deu ao trabalho de mostrar).

A imagem passa então para dentro do poço de petróleo que é tipo o interior de uma pirâmide (como no filme do Brendan Frasier, vá, que eu nunca estive dentro de uma pirâmide a sério), mas com andaimes e coisas de museu, quadros, estátuas e assim. E, embora ardesse, não ardia toda, os meus amigos em vez de estarem em pânico a tentar sair de lá, divertiam-se a destruir coisas que classifiquei entre a estátua e o calhau (não eram bem esfinges, mas podiam ter sido esculpidas com a mesma técnica).

Havia ali um estranho intervalo de tempo em que, para mim e para todos os que estavam fora do poço de petróleo, eles já estavam mortos, mas na verdade estavam vivos e a ter um último ataque de vandalismo (e, na vida real, os meus amigos têm os seus defeitos, mas estão longe de serem vândalos, nem sequer agressivos).

Bom, e depois acordei.

Tuesday, January 13, 2009

O sofá encarnado

Sou extremamente avessa a mudanças. O que é estranho. Vista de fora a minha vida parece tudo menos organizada, tudo menos rotineira. Mas não. Há uma estranha lógica por detrás do caos aparente. Há pessoas que acordam e as suas rotinas matinais são sempre iguais. Nunca acordo da mesma maneira, nunca durmo na mesma posição. E no entanto, há um je ne sais quoi que se repete. Só não sei o quê.

Falar do que mudou é complicado. As audiências estão sempre prontas a aceitar e compreender as grandes mudanças. Mas as pequenas mudanças, aquelas que verdadeiramente alteram quem somos e como vivemos, essas são difíceis de explicar e estranhas de entender. Quando a nossa vida muda mesmo, mudam muitos detalhes, muitos hábitos, há muitas partículas de pó que demoram eternidades a assentar. Algumas nunca assentam. Outras perdem-se para sempre.

Quando a minha mãe morreu, por exemplo, demorámos uma eternidade a acertar de novo a geografia dos lugares no sofá à hora da televisão. Acabámos por nos disseminar pela casa. Acho que só "assentei" de vez depois de sair de casa. Agora, o sofá encarnado é, indiscutivelmente, o meu lugar.

Monday, January 12, 2009

O Diabo cheira a Chanel

Sonhei que o Diabo me aparecia e, em troca da minha alma, oferecia-me uma vida perfeita. Não simpatizei com a figura. Era um homem demasiado magro e alto, com ar de quem sofre do figado. Estava languidamente deitado na minha cama, com os pés calçados em cima da colcha e fumava um cigarro. Achei-o indelicado e rude, defeitos imperdoáveis para quem tem por profissão a compra e venda de uma mercadoria tão frágil e melindrosa quanto a alma humana. Achei que trouxesse calor consigo, fosse pelas almas que imaginei ter nos bolsos do casaco preto, fosse pelas imagens que a religião nos vende de um inferno em chamas. Também não cheirava a enxofre, mas tenho o nariz entupido. Acredito que cheirava a Egoiste da Chanel.

Não tenho grande fé na minha alma, pelo que a proposta era tentadora. A minha alma por uma vida perfeita, tal como a sonhei. Por instantes, pensei em Fausto e em como nunca me apaixonaria por uma Margarida que me fizesse pôr tudo em causa. Tinha já a faca em riste, pronta a rasgar a pele fina dos pulsos e deixar que deles jorrasse a tinta com que assinaria o contrato de promessa.

"imagina tudo o que sonhaste", murmurou-me o Diabo ao ouvido. Imaginei. Milhares de imagens desfilaram caóticas entre a minha retina e a parede do quarto. Queria que as imagens parassem, num frame único que resumisse tudo o que quero. Tudo o que sei que quero. Mas não. Os meus sonhos caíam diante de mim, como polaroids cuspidas por Deus, castigando a efemeridade dos meus desejos. Quis encontrar uma sequência, algo que fizesse sentido, algo que merecesse a minha alma.

Nada.

Sorri. Apertei-lhe a mão e pedi-lhe que voltasse noutro dia.

Friday, January 09, 2009

O depois

Antes fico uma pilha. Odeio confrontos, odeio algo que me afaste minimamente do que eu acho ético (e o que eu acho ético é uma lista mais ou menos estranha ao comum dos mortais), odeio ser a má da fita, odeio ter de ser assertiva, taxativa. Depois parece que, com esta história toda, ascendi ao nível de heroína da classe trabalhadora (não a droga), aquela que-apanha-a-classe-patronal-na-própria-teia. Ora de socialista tenho muito pouco e de heroína (não a droga) muito menos, até porque acho que ser herói é meio caminho andado para ser mártir e os mártires, diz a história do Vaticano, raras vezes acabam bem, se excluirmos a vida para além da morte coisa em que um ateu dos sete costados, tipo eu, não acredita.

Durante a coisa penso zen, cravo as unhas na palma da mão, sorrio como se não fizesse rugas e tento falar pausadamente, coisa que na vida real não consigo. Tento ser muito clara, despejar o discurso tão bem planeado, repetido ao pequeno-almoço e a meio da manhã, sem deixar nenhum detalhe de fora.

Logo a seguir entro em fase catatónica, que o pior já passou e o lexotan tem os seus efeitos. O mundo está meio nublado, as pulsações baixam e tudo é motivo de galhofa. É o alívio.

Depois vem a descompressão e uma valente enxaqueca.

Status


com um lexotan no bolso. por causa das tosses.

Thursday, January 08, 2009

Da Fraulein Maria à sabedoria popular

A minha vida rege-se por duas grandes frases:

"Quando Deus fecha uma porta abre algures uma janela" by Fraulein Maria

"Não há fome que não dê em fartura" by Alguém

Para não me armar em esperta

Claro que já fui apanhada pelas hábeis e omnipresentes teias do dito vírus.

Tuesday, January 06, 2009

Do ronco taciturno

Calado durante o dia, estrepitoso durante a noite.

Monday, January 05, 2009

Status

À espera.

Já sem unhas e à beira do colapso, que faltei à distribuição de paciência.

Sunday, January 04, 2009

Just for my baby

Gracias. Pelo chá na cama em dias de ressaca. Pelos passeios de fim-de-semana, pela quantidade absurda de fotografias. Pelos inúmeros dias em que cheguei a casa pronta a cortar-os-pulsos e me ouviste com uma paciência imensa. Por nunca me dizeres "eu bem te disse", nem criticares os mais absurdos erros que cometi (e vou cometendo). Por não me julgares e estares lá para aquele abraço depois da asneira. Por cozinhares e aceitares que és mesmo tu quem trata do lixo. Por me dares mimo e atenção e bilhetinhos amorosos sempre que vais correr. Por entenderes que vou abaixo com pequenas coisas, mas que nas grandes não suporto que me confortem. Por volta e meia ouvires respostas tortas, do nada, e desculpares. Pelas imensas gargalhadas e pelo "CD do carro" que cantamos desafinados e com coreografia, mesmo que tu tenhas de guiar e eu devesse ter o cinto de segurança posto. Por seres uma diva ainda maior que eu e, por isso, eu conseguir sentir-me um bocadinho mais normal.

Obrigada, sobretudo, porque és o pára-quedas de um Peter Pan que tem aterrado de mansinho na idade adulta. Loviu.

Janeiro 09

Nas semanas das festas sente-se alguma impunidade. São dezenas as festas de Natal e tenho a sensação de que me é permitido andar diariamente e a toda a hora ligeiramente embriagada. O pessoal sorri mais, há a cena dos presentes (eu adoro presentes e surpresas), estar com os primos todos juntos, as casas sempre quentinhas. A passagem de ano é aquela noite em que quem está sóbrio-é-um-ovo-podre e novamente sorrisos, promessas, ai-que-vamos-ser-todos-bonzinhos. Está uma pessoa neste enlevo, ou ainda ligeiramente alcoolizada, e enfiam-nos Janeiro pelas trombas a dentro. Com frio e trabalho. Que o ano é de crise e não de festa.

Saturday, January 03, 2009

Just let it go

Deixar ir. Desistir. Ou aceitar. Há uma altura em que as escolhas se resumem a opções que não queremos tomar. As duas primeiras conduzem à indiferença e há coisas (e pessoas) que não queremos que nos sejam indiferentes. A terceira implica mutas vezes perdoar, compreender e, como não?, esquecer. Não é possível seguir em frente, sem esquecer. Não esquecer o acontecimento, mas a mágoa. E, às vezes, querer esquecer não chega. Às vezes, não dá. Por isso é que, mesmo que doa, temos mesmo de deixar ir. De desistir.
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